1º
Quentin
Tarantino parece ter ficado mais ousado em seus últimos filmes. Não que Cães de
Aluguel e Pulp Fiction não sejam filmes corajosos, longe disso, mas Bastardos Inglórios e Django Livre são filmes maiores. É só
olhar para o tamanho do elenco de cada um destes novos filmes, a dimensão das
histórias e o arco dos personagens para ver que Tarantino parece, agora, se
arriscar um pouco mais no tamanho dos mundos que cria. Não é à toa que Bastardos e Django são filmes de época; um se passa durante a segunda guerra, o
outro, pouco antes da guerra civil americana. E explorando esses novos
universos que Taratino passa do grupo de diretores independentes para o grupo
daqueles diretores que criam épicos, dramas de envergadura histórica e até
mesmo política. É claro que o Cinema de Tarantino é diferenciado e muito se
comenta que o diretor não se preocupa com todo o papo político que muitos o
apregoam. É por isso que Django Livre está
em uma categoria inominável: é um “filme sério”, mas com muito humor; é um
drama forte, mas também um western tipicamente
divertido. Têm tiroteio, tem o herói, o vilão, o amigo do herói e o amigo do
vilão, tem a donzela em perigo e uma trilha sonora fantástica. Ah, e tem todo
aquele visual do gênero que Tarantino cuida com atenção, como os zoom, por
exemplo. Django Livre, para
completar, ainda tem grandes atores em seus melhores momentos. Samuel L.
Jackson arranca ótimas risadas como um negro racista, mas não serve apenas como
um alívio cômico; Leonardo DiCaprio surge insano; pontas marcantes como as de
Jonah Hill também valem à pena; mas o filme é realmente de Jammie Foxx e de
Christoph Waltz, novamente roubando a cena. A amizade dos dois personagens é o
que move a história deste que talvez seja o melhor filme de Quentin Tarantino.
2º
Muita
gente tem elogiado Alfonso Cuarón e o chamando de gênio ou qualquer outro
superlativo depois que assistem Gravidade.
O fato é que Cuarón já mostrara talento em muitos outros filmes, e seu
último trabalho talvez seja o melhor de sua carreira: Filhos da Esperança. O drama pós-apocalíptico fora o melhor filme
daquele ano e injustamente ficou fora das categorias principais do Oscar.
Naquele exemplar, Cuarón já mostrara seu talento para novas tecnologias (dentre
elas uma câmera que se movimentava com facilidade dentro de um carro em
movimento) e planos sequência (alguns dos melhores que você encontrará por aí).
Agora o mexicano alça vôos maiores e para isso troca a terra pelo espaço na ficção
científica mais elogiada em muito tempo. Gravidade
é como muito já disseram: um filme de arte com cara de blockbuster, ou o
inverso, se preferir. É o perfeito alinhamento entre narrativa e efeitos
visuais impressionantes. É o uso impecável do 3D. É uma pequena aula de como
movimentar uma câmera, de como criar um universo crível, praticamente palpável.
É também o belo trabalho de uma atriz em completa dedicação. Um absoluto
sucesso de crítica, aprovação quase que total de público, um estrondoso sucesso
de bilheteria; a justiça tardou, mas não falhou com Alfonso Cuarón.
3º
Quando
Céline, interpretada brilhantemente por Julie Delpy, diz a Jesse (Ethan Hawke,
retornando ao papel de sua carreira), em certo momento de Antes da Meia-Noite, que não o ama mais, a fala da personagem dói
no espectador que acompanhou de perto a história do casal desde 1995, em Antes do Amanhecer. A frase choca e
causa mais reações no espectador do que muita cena explícita, gráfica, cheia de
violência, efeitos visuais, cores e sons. Ficamos tão próximos dos
personagens durante estes anos que quando ela diz isso não só sentimos que o
relacionamento dos dois está estremecido, mas a nossa relação com aqueles dois
seres também. É estranho. Sentimos medo, uma sensação ruim como se fosse o
nosso próprio relacionamento de amor chegando ao fim. O que foi dito é verdade?
Ou foi apenas da boca para fora? Talvez seja por isso que essa simples frase
tenha todo este impacto: sendo verdade ou não, a simples presença desta constatação
nos pensamentos de uma das partes do casal já é motivo suficiente para a luz
amarela acender: alguma coisa de errado está acontecendo. E é interessante
olharmos para os títulos dos três filmes e vermos que um antecedia o amanhecer,
o início de um possível relacionamento; o segundo vinha antes do pôr-do-sol,
quando as coisas ainda estavam bem, e antecediam a noite cheia de promessas.
Este terceiro, porém, vem antes da meia-noite, onde a noite é mais escura e o
que vem depois talvez não seja muito agradável. Jesse e Céline ficarão bem?
Apelarão ao divórcio? Não podemos afirmar. Não sabíamos se eles se encontrariam,
como combinado no final do primeiro, e também não sabíamos se Jesse voltaria
para casa ao término do segundo. Talvez daqui a nove anos saibamos o que
aconteceu.
4º
Dennis
Villeneuve já havia mostrado habilidade na condução de histórias densas e
cheias de reviravoltas. No ótimo Incêndios,
por exemplo, indicado ao Oscar de
Filme Estrangeiro, Villeneuve havia surpreendido com a inteligência com a qual
revelava os segredos por trás da histórias cheia de camadas. Em Os Suspeitos Villeneuve aposta nas cores
frias, no frio e na solidão de cada personagem para contar a história de duas
famílias cujas filhas foram seqüestradas no dia de Ação de Graças. A
investigação policial começa, mas a investigação pessoal de Hugh Jackman é que
realmente surpreende. Em mais uma atuação magistral, Jackman desperta no
espectador pena e raiva em questão de segundos. Ora sentimos a dor do pai
desesperado em busca de sua filha, ora não acreditamos nos atos violentos do
sujeito. Mas não é só Jackman que surpreende; Jake Gyllenhaal – que já teve
grandes desempenhos em obras como O
Segredo de Brokeback Mountain e Zodíaco,
mas nunca reconhecido – encarna um personagem diferente de tudo que fizera
até aqui. Adotando um cacoete que poderia estragar sua composição, Gyllenhaal
comprime muita coisa que sequer é dita sobre o personagem. Paul Dano mais uma
vez mergulha na insanidade de um personagem e enriquece a narrativa com a
dubiedade de sua interpretação. Até Melissa Leo, uma atriz que realmente não
gosto, faz um bom trabalho aqui. O final poderia investir um pouco mais na
incerteza, deixando a resolução e as conclusões para o espectador, mas ainda
assim é um grande desfecho para uma grande história.
5º
O
reconhecimento que David O. Russel não recebera em 1999 por Três Reis parece ter vindo acumulado
anos depois. Indicado ao Oscar e a vários prêmios por O Vencedor, Russel voltaria à premiação concorrendo por O Lado bom da Vida. E parece que o
próximo Oscar contará novamente com a presença do diretor, agora por Trapaça, longa que reúne o elenco dos
dois filmes anteriormente citados. Com ou sem prêmios ou apoio da crítica ou
público, o fato é que Russel é um excelente roteirista e diretor. Dizem que é
um sujeito arrogante, briguento e tudo mais, mas isso não afeta o seu talento,
e isso, no final, é o que conta. O Lado
bom da Vida talvez seja o melhor filme de sua curta, mas invejável
carreira. Cheio de bom humor, esse longa singelo conta com uma história simples
e um elenco fantástico. Todos aqui parecem estar em seus melhores momentos.
Bradley Cooper mostra definitivamente ser um bom ator, Jennifer Lawrence
surpreende ainda mais do que já havia mostrado em outros filmes, Jackie Weaver
prova que a grande atuação de Reino
Animal não foi sorte e Robert De Niro volta a ter uma ótima atuação em um
grande filme depois de uns anos tentando estragar a carreira. Fugindo dos
clichês sempre que possível, O Lado bom
da Vida não consegue fugir de todos eles o tempo todo – como no final, que
os abraça -, mas faz um excelente trabalho sempre que precisa recorrer dessas
decisões mais corriqueiras. O bom está na história simples, mas muito bem
contada. Nos personagens bem desenvolvidos e nas atuações memoráveis. E isso,
aliado à direção certeira de Russel, faz deste pequeno, um grande filme.
6º
O estilo
de Tom Hooper realmente me agrada. Diferente do que acontece com muitos, que
criticam firmemente o trabalho visual do diretor, gosto de seu estilo meio
torto e sem sentido. É um trabalho que ele vem desenvolvendo ao longo dos anos.
Goste ou não é uma marca do cineasta. É impossível não reconhecer um filme ou
série de Hooper. John Adams, minissérie
da HBO dirigida por Hooper, parece um ensaio para Os Miseráveis. Com apelo visual quase idêntico ao do musical, o
programa de TV contava com todos os planos inclinados, todas as lentes e
distorções típicas do diretor de O
Discurso do Rei. Em Maldito Futebol
Clube, outro excelente exemplar de sua curta carreira, Hooper estava mais
contido, mas também testava a abordagem em algumas sequências. A aprovação
desse estilo veio com a vitória no Oscar por O Discurso do Rei. Com mais dinheiro e confiança de estúdios e
produtores Hooper resolve levar às telas o celebrado musical Les Misérables. E é claro que depois de
o trabalho ser aprovado, o negócio é repeti-lo. E, particularmente, não há
decepções. O diretor acerta no comando dos atores e na abordagem visual. Peca
um pouquinho no ritmo? Sim, levemente no terceiro ato, mas não compromete em
nada a experiência. Todos os atores cantam bem? Não. Mas convencem e se
entregam ao máximo, que é o que vale. Ao fim, Os Miseráveis á um musical legítimo, à moda antiga, com
superprodução, direção de arte incrível, ótimo elenco e canções do início ao
fim.
7º
Paul Greengrass
é outro diretor com estilo muito próprio. É difícil imaginá-lo dirigindo um
filme como Os Miseráveis, assim como
é difícil imaginar Hooper dirigindo algo como Capitão Philips. Greengrass é o responsável, basicamente, por nos
lembrar o quão fantástico é Tom Hanks. Ancorado na realidade, Greengrass emula
algumas coisas daquela que é sua melhor obra: United 93. Sempre com a câmera trêmula e perto dos personagens e da
ação, Greengrass compõe uma tensa narrativa, e mais uma vez em espaços
reduzidos. Se em United 93 a ação se
passava toda dentro do avião, aqui a trama se desenvolve basicamente em dois lugares.
Mas o ritmo não cai, o que admirável, já que muitos filmes que contam com
vários personagens e cenários falham miseravelmente na condução das cenas e
narrativas. É claro que muito desse dinamismo vem da edição. Christopher Rouse
é o responsável pelas edições de United
93 e O Ultimato Bourne; Rouse
recebeu indicações ao Oscar por estes dois filmes e venceu pelo segundo. O
trabalho do editor parece casar perfeitamente com o editor. Trabalhar na edição
de um filme de Greengrass, aliás, deve requerer um grau considerável de
entendimento entre as partes, já que grande parte do efeito dos longas vem do
dinamismo, do ritmos das cenas isoladas e dentro do contexto geral. A excelente
trilha sonora é outro fator determinante no completo funcionamento do filme.
Mas não há fatores técnicos que substituam ou mudem a força da última cena.
Está ali, naqueles últimos minutos, um dos momentos mais marcantes de toda a
carreira de Tom Hanks.
8º
Paul
Thomas Anderson já não precisa provar mais nada a ninguém. Com pouca idade
provavelmente já lançou sua obra-prima (dificilmente um filme seu será tão
perfeito quanto Sangue Negro) e
outros filmes inesquecíveis. Não há um tropeço sequer até agora, e caso aja no
futuro, duvido que vá manchar a sua curta, mas brilhante carreira. Diferente de
tudo que fizera até aqui (como é comum quando falamos em PTA, que muda o tema a
cada filme), O Mestre trás o estilo
de filmagem e a abordagem já consolidada de Anderson. Além disso, conta com um
roteiro corajoso, que não teme a má interpretação ou o completo descaso do
espectador. O Mestre é um filme
difícil; longo e com uma edição que não facilita a vida de quem assiste, o
filme é mais uma prova de que PTA é um autor completo. Além de ótimo cineasta,
é também ótimo escritor. A fotografia é fantástica e a trilha sonora é tão
estranha quanto a de Sangue Negro, o
que não é, claro, um defeito. Anderson também arranca, mais uma vez, atuações
extraordinárias de seu elenco. A começar por Joaquim Phoenix, irreconhecível
dentro do personagem. Philip Seymour Hoffman mostra mais uma vez ser um dos
melhores de sua geração e Amy Adams mais uma vez tenta se desfazer do jeitinho
meigo e frágil que alguns filmes pintaram para ela. A sequência de perguntas e
respostas entre Hoffman e Phoenix em que o último deve responder sem piscar era
o suficiente para dar o Oscar para os dois atores. Mas as grandes sequências
não param por aí. Hoffman brilha em mais dois momentos memoráveis. Em um deles,
vai mostrando aos poucos um lado que até então não conhecíamos enquanto discute
com um homem que teima em discordar de suas crenças e pregações. Em outro dança
e canta enquanto o personagem de Phoenix tem uma estranha visão. Assim como em Sangue Negro, O Mestre tem vários
grandes momentos, quase que como clímax isolados durante a trama que, juntos,
formam uma grande experiência.
9º
Killer Joe poderia ser um curta-metragem,
centrado apenas no clímax deste longa e assim já seria um grande exercício
narrativo. Mas a sorte é que muito mais é trabalhado na trama e felizmente um
diretor como William Friedkin dirige um texto rico e perturbador como o de
Tracy Lets. A segunda parceira do diretor com o autor é baseada na peça homônima
de 1993 – a primeira de Lets – e conta a história de um rapaz que decide
contratar um assassino profissional para matar a mãe, ficando, posteriormente,
com o dinheiro da mulher. Isto é o suficiente para que Lets crie uma insana
história cheia de reviravoltas e um final indescritível. William Friedkin,
notavelmente sádico, é, portanto, o diretor perfeito para levar Killer Joe às telas. Mas não é só um
trabalho de Friedkin e Lets, o elenco de Killer
Joe é um dos melhores vistos este ano. Matthew McConaughey, que tem outra
grande atuação no ótimo Amor Bandido, encarna
Joe como se este fosse o papel de sua vida. Thomas Haden Church, excelente ator
subestimado, Juno Temple, Gina Gershon e Emile Hirsch estão ótimos em seus
papeis. O já citado clímax é algo quase inexplicável. Tudo converge ali, todo o
elenco está ali. A força e a dinâmica do teatro, berço de Lets, pode ser vista
em cada ato, em cada palavra. Pontos altos na carreira de todos os envolvidos.
10º
François Ozon parece brincar de direção em Dentro da Casa, tamanha fluidez das
cenas. Os reflexos, os enquadramentos, as sequências. Ozon não só entrega um
grande roteiro, como um excelente trabalho se direção. Numa trama quase que metalingüística,
Ozon prende a atenção do público com a relação de um professor e seu aluno. O
professor é um escritor fracassado, o jovem, um escritor em potencial. Juntos,
debatem sobre a importância de personagens e como estes devem agir ou o que
deve acontecer com eles para que a trama funcione plenamente e prenda o leitor.
Conversam sobre os temas que devem ser abordados e o que talvez não funcione. É
um interessante exercício que levanta questões importantes. É a construção de
uma história dentro de uma história. Mais um excelente exemplar francês em um
ano de Azul é a cor mais quente e Le Passé.
***
Outros títulos que merecem destaque:
Amor
Amor Bandido
A Aventura de Kon-Tiki
Azul é a cor mais quente
Azul é a cor mais quente
Bernie
Blue Jasmine
A Caça
Círculo de Fogo
Depois de Lúcia
O Hobbit - A Desolação de Smaug
Indomável Sonhadora
Invocação do Mal
Jogos Vorazes - Em Chamas
Lincoln
O Lugar onde tudo termina
Muito Barulho por Nada
Rush - No Limite da Emoção
O Verão da Minha Vida
Grandes filmes que ainda não chegaram oficialmente ao Brasil:
O Passado, de Asghar Farhadi (um dos cinco melhores que assisti em 2013)
Upstream Color, de Shane Carruth
Fruitvale Station, de Ryan Coogler
The Spectacular Now, de James Ponsoldt
Byzantium, de Neil Jordan
Grandes filmes que ainda não chegaram oficialmente ao Brasil:
O Passado, de Asghar Farhadi (um dos cinco melhores que assisti em 2013)
Upstream Color, de Shane Carruth
Fruitvale Station, de Ryan Coogler
The Spectacular Now, de James Ponsoldt
Byzantium, de Neil Jordan
Postagem mais recente Postagem mais antiga Página inicial
Assinar:
Postar comentários (Atom)
Olá Matt, sou eu Alfredo Neto, não sei se ainda lembra de mim, sou aquele chato que sempre pedia a criação da fan page do seu blog rs
Bom, temporada de premiação aí e estou sempre olhando seu blog, está salvo já entre os favoritos aqui. Ansioso pelas apostas e quero saber se você estará acompanhando as indicações ao Oscar no site do Cinema é Tudo Isso, o senhorito já tem facebook? Temos um grupo sobre cinema bem legal e seria uma honra você como membro.
Abraços!
Alfredo Neto disse...
6 de janeiro de 2014 às 03:14