12 Anos de Escravidão é um ponto fora da linha que Steve McQueen
desenhou com seus longas anteriores, Fome
e Shame. Ainda que possamos
reconhecer aqui e ali o estilo marcante do diretor, o conjunto completo é bem
diferente. É uma história mais acessível que as anteriores. Se os dois
antecessores chocavam pela violência ou pelo teor sexual, este 12 Anos de Escravidão é uma obra mais
conservadora, no bom sentido, é claro. Mas não se pode haver enganos: o novo filme
de Steve McQueen é corajoso, incisivo. Não é perturbador como Fome ou contemplativo como Shame, mas atinge o espectador de outras
formas. O que se vê aqui é um retrato sincero da escravidão, sem estereótipos.
Não há o homem branco salvador e herói (como em Lincoln) nem violões rasos. Há, portanto, personagens complexos,
como o vivido pelo excelente Benedict Cumberbatch, que compra e possui escravos,
pois este era o cotidiano da época, as regras básicas da sociedade. É um
sujeito de bom coração, mas ainda assim é escravista, já que se furta dos
benefícios de tal barbárie. Outro personagem interessante é aquele vivido por Michael
Fassbender, que pode ser encaixar na categoria de vilão. Nas mãos de um ator
menos experiente ou talentoso, o personagem poderia se tornar raso, unidimensional;
Fassbender, porém, compõe um homem tomado por maldade, de sanidade duvidosa,
mas que jamais se transforma em um simples vilão caricato.
Mas 12 Anos de Escravidão tem muitos méritos além dos personagens
excelentes. O longa é, também, um primor técnico. A começar pela direção
inspirada de McQueen, que novamente investe em planos longos para acompanhar a
ação e os personagens. É um trabalho vigoroso, daqueles que se fazem notar, mas
não roubam atenção para si. McQueen melhora tudo que já era bom em seus
trabalhos anteriores e elimina aquilo que prejudicava em parte as experiências
anteriores (Fome e Shame tinham alguns problemas de ritmo).
O roteiro de John Ridley tem um formato clássico, que lembram os dramas de
antigamente. Há o arco completo do personagem principal, com vários coadjuvantes
passando pelo seu caminho. Há todo o lado de superação e esperança. É uma
trajetória grandiosa, daquelas marcantes, cheia de momentos de impacto.
Mas nada disso funcionaria, nem
direção ou roteiro, sem Chiwetel Ejiofor. Ele é a grande força de 12 Anos de Escravidão. Ejiofor,
conhecido por papeis secundários, finalmente ganha um papel em que possa
mostrar seu talento. Ele é o centro da história, a alma do filme, e sua atuação
é assombrosa. É uma pena, por exemplo, que Ejiofor concorra ao Oscar no ano em
que Matthew McConaughey atinge o ápice da ressurreição de sua carreira. Além de
Ejiofor, outros dois integrantes do elenco merecem atenção. Michael Fassbender
novamente surpreende sob o comando de McQueen e Lupita Nyong’o talvez seja a
grande revelação do ano. Resta agora que mais e mais pessoas possam assistir a
brilhante história de Solomon Northup e que o filme possa receber a consagração
no Oscar. Caso vença o maior prêmio do Cinema, será a primeira vez em ano que o
ganhador será aquele que realmente merece tal honraria.
***
Fato Curioso: Os grandes
favoritos ao Oscar de Melhor Ator este ano, Matthew McConaughey e Chiwetel
Ejiofor, trabalharam juntos justamente em um filme que tinha a escravidão como
pano de fundo. Amistad, de Steven
Spielberg, tinha McConaughey como protagonista, interpretando um advogado que
buscava a liberdade de um grupo de escravos que se rebelara em um navio
negreiro. Ejiofor, em papel menor, era o tradutor; era ele que traduzia a
língua dos escravos para o inglês do advogado.
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