Relembrar é Viver
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Defendo A.I. sempre que se precisa. Quando criticam a estrutura ou a emoção exagerada de Spielberg ou quando detonam o desfecho criado pelo sensível diretor. O fato é que considero A.I. um de seus melhores filmes, e ver os nomes de Spielberg e Kubrick ao mesmo tempo na tela é quase surreal; um sonho de qualquer cinéfilo. A história otimista e com jeito de fábula do garoto-robô que quer se tornar um menino de verdade e, assim, ser amado por sua mãe, parece ter sido criada para Steven transpor para as telas. Foi por se tratar de uma obra extremamente emocional e fantasiosa que Stanley Kubrick ofereceu o trabalho a Steven. Sabendo que seria uma pessoa incapaz de transpor todas as nuances emocionais para as telas - Kubrick era racional e seco em suas abordagens, preferindo a triste realidade a uma feliz fantasia - o falecido cineasta resolveu apenas produzir o longa e ajudar em sua criação, sem interferir na direção ou em questões muito importantes para o andamento da trama. Após a morte de Stanley, Spielberg achou que era sua obrigação dar vida ao pequeno robô David; assim, reescreveu o primeiro tratamento já escrito por Kubrick, adaptando e enxertando seu ponto de vista e criando novas cenas e um novo final. O que as pessoas não entendem é que este é um filme de Steven Spielberg e não de Stanley Kubrick, e que a fita é uma homenagem do primeiro para o segundo. Contando com Haley Joel Osment em atuação fantástica e um inesquecível ursinho Teddy, A.I. possui erros inegáveis, mas uma alma que transcende qualquer tropeço.
Amor. Acima de tudo amor. É sobre este sentimento que Moulin Rouge de Baz Luhrmann trata. Altamente surrealista, Moulin Rouge com certeza não agrada a todos. Suas viagens pscicodélicas e seus momentos anacrônicos (Like a Virgin, The show must go on, até mesmo I'll Always Love You de Whitney Houston passa pelo filme) misturando músicas pop com a cultura de 1900 podem desagradar. Assista com a mente aberta, esperando aberrações em números musicais e loucuras das mais diversas formas e nos mais diversos momentos. Moulin Rouge torna-se uma obra inesquecível de imediato, quando os créditos finais (e originais) aparecem a obra já se tornara marcante e inigualável. Começando por seus créditos inciais geniais, passando por números contagiantes e muito bem dirigidos (o número para Roxxane é um dos melhores), a direção de arte alegórica, a fotografia inovadora e os figurinos bem cuidados, juntamente ás atuações excelentes de Nicole Kidman, Ewan McGregor, John Leguizamo, Jim Broadbent e a excelente direção de Luhrmann, "Moulin..." marca, contagia, suas melodias grudam na mente, nos ouvidos, na alma e no coração. E lembre-se: esta história fala sobre várias coisas, mas principalmente sobre amor. O número final e o tango de Roxxane são as melhores partes das várias que compõe o filme.
Alejandro González Iñárritu talvez não possa ser considerado um grande diretor. É talentoso, mas a filmografia limitada e homogênea não comprovam nenhuma genialidade. Sua trilogia das histórias cruzadas, que começa com esse fabuloso Amores Brutos, é regular do início ao fim, mas muito se deve ao roteirista Guillermo Arriaga. Biutiful, mais recente empreitada cinematográfica de Iñárritu, não demonstra a mesma força de um 21 Gramas, por exemplo. Mas divago. O foco aqui é a obra Amores Brutos, que lançou o diretor e o roteirista aos holofotes. A parte dois da "trilogia" migrou para os EUA e o elenco foi, em sua maioria, americano. Amores Brutos, puramente estrangeiro, talvez seja o mais forte e corajoso dos três filmes. Retratando a vida de alguns personagens que têm suas respectivas histórias entrecruzadas umas nas outras, Arriaga compõe um interessante quebra-cabeça não linear que vai e vem no tempo com o auxílio de uma montagem inspirada e ágil. Gael García Bernal está aqui em uma de suas melhores fases, e todo o elenco de coadjuvantes merece destaque. Com uma fotografia que ditou as regras para as obras posteriores e que, carregada de cores quentes, exterioriza os sentimentos conturbados de seus personagens. Um drama poderoso.
Se analisarmos Amnésia com um filme "normal", montado com a linearidade convencional, acabamos constatando que a trama não é tão original ou complexa quanto suponhamos a principio. No intuito de confundir o espectador e fazê-lo experimentar um pouco dos problemas do protagonista, Christopher Nolan concebeu uma fita de trás para frente. Sabendo que contar sua história na ordem cronológica correta seria um exercício vazio e sem sentido, já que o público é onisciente - enquanto o personagem esquece tudo e nós sabemos de tudo -, Nolan transportou cada um de nós para dentro do filme. Guy Pearce, num de seus melhores papeis, encarna um homem transtornado e em busca de algo que ele nem sequer sabe ao certo o que é. Joe Pantoliano é o elo ligante. É o seu personagem que complica um pouco a vida do espectador e leva o protagonista a diversos lugares. Seria errôneo afirmar que esta seria a primeira obra a comprovar a mania de Nolan em escrever roteiros complexos, já que seu primeiro longa metragem, Following, almeja pequenas reviravoltas mirabolantes; o certo a dizer é que Amnésia é o seu primeiro longa famoso.
Amores Brutos não foi o único a apresentar uma trama fragmentada que apresentava os cruzamentos de pessoas diferentes e desconhecidas umas para as outras. Traffic também aborda diversos pontos de vista e contempla variados núcleos para contar sua história. A diferença na fita de Steven Soderbergh é que os entrecruzes entre as histórias são mais sutis, menos diretas, mas igualmente impactantes. O elo que liga cada um aqui é a droga e o tráfico desta. O roteiro de Stephen Gaghan esmiúça os vários setores e estágios do tráfico. Desde um pequeno traficante mexicano e os investigadores do país latino até o alto escalão americano que tenta descobrir e destruir o foco de toda a rede de drogas. A princípio as ligações não são evidentes, mas com o tempo podemos perceber a proximidade de um caso a outro. No fundo não é o crime que une as vidas apresentadas aqui, e sim a tragédia. Cada um com seu problema, com seu rumo - certo ele ou não. Benício Del Toro rouba a cena quando aparece e a fotografia, assinada por Soderbergh, merece destaque, já que é ponto vital da narrativa e de toda a estrutura lógica e visual da obra.
A Pixar tem o poder de suscitar dentro de cada um de nós aquela nostalgia, saudades dos tempos de criança. Pegue Toy Story: quem nunca, quando pequeno, imaginou os seus brinquedos ganhando vida e andando por aí enquanto você não estava? Ou então os insetos, lutando juntos em colônias? Em Monstros S.A. acontece a mesma coisa. Os velhos monstros escondidos no armário são apresentados como meros trabalhadores, que cumprem tabela em uma grande empresa especializada em assustar criancinhas indefesas. Subverter o imaginário dos pequenos é uma das maiores qualidades da Pixar, e até agora sempre deu certo. Monstros S.A., assim como seus irmãos de estúdio, são lindos por incitarem a imaginação, recriar os universos criados nas mentes criativas dos miúdos. Longe dos clichês e com a costumeira maestria narrativa e visual, está é uma das fitas mais inventivas da casa que ainda iria conceber Ratatouille e Wall-e.
O Oscar de Benício Del Toro em 2001, por Traffic, fora um erro, pois nenhum coadjuvante teve um desempenho tão magistral quanto o de Sr. Wilson. A bola de vôlei mais famosa do Cinema tornou-se "o" co-protagonista da história estrelada por Tom Hanks. Náufrago é daquelas fitas simples, que se apoiam em poucos pilares para se fazer entender. Bastou uma direção adequada, um roteiro esperto e uma atuação magnífica de Hanks para que o filme virasse referência; respeitado por grande parte da crítica e com considerável parcela de fãs, cenas como a do Sr. Wilson sumindo mar adentro já viraram clássicas; mas não só isso, Náufrago está repleto de sequências memoráveis, daquelas que marcam um filme para sempre. E o mérito é basicamente todo de Hanks, que merecia aqui seu terceiro Oscar. Num ano que contou com atuações notáveis de Russel Crowe, por Gladiador, e principalmente Geoffrey Rush, por Contos Proibidos do Marques de Sade, Tom Hanks ainda se sobressaía. Levando a obra nas costas e dominando a tela toda para si, o ator, que não entregara um atuação deste nível desde Forrest Gump, provou seu talento infindável com naturalidade e segurança. Tem seus defeitos, mas estes se apagam no saldo final.
A subversão de um gênero, ainda que simples, desde que bem bem feita, merece atenção. Os Outros aposta numa troca de papeis interessante, e ainda que as surpresas sejam semelhantes a de outras obras do gênero, a construção que levou tudo para aquele fim merece destaque. Alejandro Amenábar, competente cineasta chileno, radicado na Espanha, criou um clima de tensão tenso, usando todas as ferramentes e trucagens que tinha à disposição, e surpreendeu em sua composição. Imerso sempre em um tom gélido e de paletas escuras, onde o branco da pele ou dos lençóis que aparecem regularmente se sobressaem justamente por contrapor toda aquela falta de vida, não de forma alegre, mas ainda mais opressora. Nicole Kidman demonstra inspiração e as crianças dão um show à parte. A direção de arte do longa, esperta nos detalhes, ajudam na construção da trama, dando fluidez e uma interessante logística ao roteiro, engrandecendo a obra logo depois que esta termina. Algo muito semelhante com o que aconteceu com O Sexto Sentido, em que a história como um todo, aliada à direção de arte e à esperteza do roteirista, faz com que tenhamos vontade de retornar e assistir tudo com outros olhos. Além disso, Os Outros merece respeito pelo fato de "fazer" terror através da tensão crescente e não da situação, ou seja, o clima opressor e macabro permeia toda a fita, mantendo o espectador tenso todo o tempo, diferente de sustos ligeiros, que funcionam apenas em uma situação isolada. Os Outros é, também, um consistente drama, que acerta na composição de seus personagens e nas situações em que estes se encontram.
Concatenar certos comportamentos do Marquês de Sade é um dos pontos mais interessantes desta instigante fita protagonizada por Geoffrey Rush (estupendo). Seria ele apenas um louco depravado? Um autor genial? Um pensador incisivo e pertinente. Talvez não fosse nada que possa ser classificado. Era um figura complexa, podemos dizer, no mínimo. Rush esmiúça o temperamento do marquês sem perder o controle e sem se entregar a vícios interpretativos. O ator, que notadamente se diverte dando vida ao personagem, aproveita cada oportunidade do brilhante roteiro de Doug Wright para entregar diferentes pistas sobre a mente conturbada do homem que, rebelde, não que saber de ajuda, e mesmo que aparente aceitar o termo "louco" para si, não esconde seu amor próprio, sua falta de modéstia. Personagem perigoso dada sua complexidade e caráter, o Marquês de Sade é tudo nessa obra. É o norte, o início, meio e fim da história e, mesmo que Joaquim Phoenix e Kate Winslet entreguem atuações memoráveis, é mesmo Rush e o Marquês que monopolizam a cena e a nossa atenção.
Guillermo Del Toro é artista cool. Sim, artista. Autor, se preferir. Criador de mundos fantásticos e imaginativos, Del Toro é um dos mais competentes quando o assunto é terror e fantasia. Seus O Labirinto do Fauno e Hellboy unem, entre outras coisas, personagens que caminham sob a linha tênue que separa a fantasia do horror propriamente dito. O fauno é uma figura ameaçadora, de longos chifres e sujo, como se estivesse enterrado por anos e anos; Hellboy é uma espécie de demônio; vermelho e chifrudo, o irônico ser veio do inferno. De todo modo, o oculto é a grande constante em todas essas obras. Demônios, faunos, espíritos, submundos. A Espinha do Diabo trata sobre o mal puro, incisivo. Misturando realidade, história e elementos sobrenaturais, Del Toro cria uma instigante fábula sobre o medo e seus mistérios.
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* Texto publicado anteriormente no dia 03/02/2012, em Especial - Steven Spielberg - Parte 2
** Texto publicado anteriormente no dia 01/11/2009 em Melhores Momentos - Anos 2000 - Parte 3
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Filmes citados nos textos:
21 Gramas - *****
Biutiful - ****
Toy Story - *****
Ratatouille - *****
Wall-e - *****
Gladiador - ****
Forrest Gump - *****
O Sexto Sentido - *****
Hellboy - ****
O Labirinto do Fauno - *****
Matheus Pereira
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