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Crítica - Um Método Perigoso

Crítica - Um Método Perigoso


David Cronenberg, nos altos e baixos de sua notável carreira, versa pela psicologia de sua história, pela alma e pela mente de seus personagens. Sem muita demora, podemos perceber que o elo ligante entre as obras que compõem sua filmografia é o estudo psicológico das figuras que o cineasta concebe. Um Método Perigoso surge, portanto, como uma espécie de passatempo para o diretor, uma brincadeira metalinguística, quiçá. É decepcionante, porém, constatar que Cronenberg falha mesmo tendo o material perfeito em mãos, o argumento que nascera para ser adaptado às telas de Cinema por ele, ninguém mais. Nenhum outro autor se adequaria melhor que ele aqui, e é por isso que o resultado final frustra de maneira incomensurável. Não pense, porém, leitor, que tratamos aqui de uma fita medíocre ou mediana, estamos à frente apenas de uma construção falha, mas com suas devidas qualidades.

O roteiro de Christopher Hampton (que adapta aqui sua própria peça e o livro A Most Dangerous Method) peca em sua frágil estrutura, já que os pontos das tramas e subtramas nunca são unidos satisfatoriamente e os saltos temporais jamais surgem de maneira orgânica. Os encontros de Jung e Freud, os melhores momentos da obra, permeiam a fita sem muita lógica, sendo costurados a outros acontecimentos sem razão aparente. Os citados saltos temporais prejudicam a fluidez ao trazerem os fatos e os personagens totalmente mudados com o passar dos anos. Uma pessoa, por exemplo, se casa e tem filhos de uma cena para outra; sem as devidas explicações e recorrendo a diálogos expositivos, o roteirista então estabelece sua nova linha de tempo. Hampton falha, também, no estudo mais aprofundado dos personagens e de seus ideais, já que opta por superficialidades para dissecar a personalidade de cada um; além disso, certas abordagens são mal exploradas ou totalmente descartadas pelo roteiro: enquanto a mania de Freud de recorrer às explicações envolvendo a sexualidade humana para desvendar seus pacientes é martelada todo o tempo, os devaneios parapsicológicos e religiosos de Jung são apenas citados, e embora aparentem ganhar a devida atenção nas cenas seguintes, são postos fora sem retornos posteriores.

Mas o que mais se espera dê uma obra de Cronenberg não decepciona aqui: a direção. Com a costumeira abordagem crua e sem floreios, o cineasta ainda surpreende pela sutileza com que concebe suas sequências, como o trecho inicial, que trás a protagonista feminina sendo levada até a clínica para ser internada. Cronenberg acerta, também, ao adotar uma lógica visual simples, mas direta; os momentos que trazem um personagem em primeiro plano em um dos lados do quadro e outro, afastado e desfocado, no lado oposto, podem ser considerados como uma das marcas da obra. Ainda que seja prejudicado pelo roteiro falho e a edição trôpega, o diretor mantém o pulso firme, entregando grandes momentos e passando por cima dos eventuais problemas do caminho. O que fica claro – e isso já podia ser notado em outras criações do autor – é que a simplicidade é a palavra chave do trabalho; econômico, Cronenberg prova seu infindável talento através de pequenas passagens, singelos momentos que, com olhos atentos, engrandecem a experiência.

A grande falha de Um Método Perigoso, porém, é Keira Knightley. Ainda não se sabe se a escalação da atriz serviu apenas como fetiche dos produtores ou do diretor ou se a moça é parenta de algum envolvido, pois é inconcebível o fato de que ela tenha feito testes para interpretar o papel. É aceitável, no entanto, que ela tenha atuado de um jeito nos ensaios e de outro quando a câmera fora ligada, e assim, não poderia ser dispensada, visto que uma demissão durante a produção atrasaria o processo e renderia alguns processos. Teorias à parte, a moça está absolutamente constrangedora; o excesso de sua caracterização acaba por prejudicar o filme de maneira definitiva. Toda vez que aparece, a obra perde pontos e grande parte de sua força. Sejam através de berros incessantes, contorcionismos absurdos e uma gagueira intragável, Knightley não é capaz de compor uma simples cena, uma simples passagem envolvendo um mero diálogo; sua eloquência é saturada e as constantes manias acabam roubando a cena negativamente. Recorrendo a muletas de interpretação que acabam não funcionando, a atriz entrega uma das piores atuações femininas do ano, e certamente poderia ornamentar sua estante com um Framboesa de Ouro.

Michael Fassbender e Viggo Mortensen, por outro lado, estão espetaculares. Mortensen é o Freud perfeito: figura que exala inteligência e segurança, com uma dose de arrogância e outra de empáfia. O ator constrói um personagem cheio de nuances, detalhes que se mostram na inflexão da voz, nos trejeitos; o jeito calmo e seguro mostram um homem no ápice de sua intelectualidade. Fassbender não fica atrás, e concebe uma figura determinada, mas de certa forma frágil. E é justamente isso que encanta: a complexidade e a humanidade dos personagens; são seres normais, afinal. Alem de tudo, é interessante perceber a relação de um com o outro. Mestre e pupilo, quando juntos, trocam diálogos ágeis, experiências em comum e total domínio de seus estudos. O melhor desses encontros, contudo, é notar a diferença entre os dois, e os atores que os interpretam merecem aplausos incessantes por apresentar-nos a tais idiossincrasias de forma sutil. Perceba, por exemplo, a forma como Jung se porta perto de seu mestre, Freud. Regularmente diminuído nos quadros de Cronenberg, Fassbender acentua as diferenças com uma sutil troca de comportamento: quando está na presença de seu mentor, Jung demonstra incerteza acerca de suas opiniões, contradizendo-se em alguns trechos e trocando palavras para adequar seu ponto de vista ao momento e ao seu interlocutor. São nos encontros, também, que Jung abre sua alma e descreve seus sonhos e suas observações, aproximando-se da figura de paciente e elevando Freud à figura superior de médico, psicanalista. Créditos para Michael Fassbender, que demonstra total domínio interpretativo.

Um Método Perigoso, ao fim, não decepciona, apenas não supre todas as expectativas daqueles que esperavam ansiosamente pela fita. Se contarmos, a obra tem poucas falhas, mas estas poucas foram suficientes para que o resultado final ficasse aquém do esperado. Em resumo, Um Método Perigoso é uma obra que tinha tudo para ser espetacular, uma fita incisiva e profunda, um estudo não só dos personagens, mas dos homens em geral. Ficou no quase. Pena.


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