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Crítica - A Invenção de Hugo Cabret

Crítica
A Invenção de Hugo Cabret



As piadas mais recorrentes acerca de A Invenção de Hugo Cabret, novo trabalho de Martin Scorsese, abordam o fato de o diretor de filmes violentos e polêmicos comandar agora uma aventura infantil. Mas o que deve ficar claro para o espectador é que Hugo não é, necessariamente, uma obra infantil. Se for considerar realmente como uma fita criada para os pequenos, esta deve ser a pior ou a mais sem graça do gênero, já que trás poucos elementos que possam fazer as crianças se interessarem. Logo, A Invenção de Hugo Cabret surge como uma espécie de “filme sem gênero” ou público alvo específico. É difícil de acreditar, por exemplo, que a geração infantil vá se interessar ou se sentir atraída por toda a subtrama
Ben Kingsley, que tem uma das melhores atuações do ano, e Asa Butterfield
envolvendo Georges Méliès, a criação e importância do Cinema e a conservação das antigas obras da Sétima Arte. E é aqui, justamente na maior força de Hugo, que se encontra sua maior falha, seu calcanhar de Aquiles.

A junção entre a saga do menino Hugo e o ostracismo de Méliès aliado a toda a história do Cinema antigo nunca surge de forma orgânica. Ainda que funcione para os cinéfilos e amantes do Cinema, para o suposto público alvo do filme não há graça alguma, e aí entra a pessoalidade de cada um: como adorador da Sétima Arte é impossível não se apaixonar por Hugo e entrar na sua mensagem e na sua alma, mas não posso ser hipócrita e dizer que a obra funciona para o grande público. É fato, portanto, e não há meios termos para isso, que o novo trabalho de Scorsese não encontra uma identidade única. Enquanto abordam toda uma subtrama desnecessária envolvendo um casal no metrô cujo relacionamento é atrapalhado por um pequeno cachorro, o cineasta e o roteirista John Logan (do ótimo Gangues de Nova York e do apenas bom Gladiador) resolvem mesclar com isso uma seriedade surpreendente ao abordar o passado de Méliès, aproveitando, claro, para dialogar sobre a importância da preservação dos antigos filmes. São, basicamente, dois filmes em um. Reitero: funciona para um cinéfilo e para aqueles que compram a ideia, mas acaba se mostrando um projeto sem identidade para aqueles que esperavam uma história mais regular ou comum.

Scorsese e sua melhor amiga, a câmera
Depois do último parágrafo é preciso deixar explícito nessas linhas que adorei o filme. Saí da sala de Cinema maravilhado com o mundo que Scorsese havia mostrado. A começar pela direção de arte. Não é preciso dizer que Dante Ferretti estabeleceu-se como um dos maiores diretores de arte do Cinema atual, afinal, ele já provara tal capacidade antes de Hugo. Basta assistir filmes como Gangues de Nova York, O Aviador e Sweeney Todd – O Barbeiro Demoníaco da Rua Fleet para comprovar tal fato. Conhecido pela abordagem grandiosa, cenários ricos e detalhes e em escala real, Ferretti faz aqui o que possivelmente é o seu melhor trabalho (o que não é pouco, já que estamos falando do mesmo profissional responsável pela arte de Drácula, de Francis Ford Coppola). A estação, cenário principal da obra, é um show à parte, que aliada à fotografia espetacular de Robert Richardson, é o símbolo da nostalgia que a obra retrata. Igualmente belíssimas são as – poucas – cenas externas. Com neve sempre caindo, Richardson acerta ao não usar a predominância branca das ruas para criar um clima opressor, mas sim contrapor o calor e as cores quentes da estação, abrigo do menino e lugar, em tese, mais seguro para ele, com o frio e a paleta dessaturada da complexa e inóspita Paris, que só aparece iluminada e realmente viva quando contemplada por Hugo de longe dentro da estação, ou quando a luz do trem (que remete, claro, à estação) alumia as vias da cidade. 

A direção de Scorsese merece atenção extra, como em qualquer outro trabalho do cineasta. Utilizando longas sequências para apresentar seus cenários e conduzindo as cenas de ação com inteligência, Scorsese mostra que ainda é um dos maiores diretores de Cinema vivos, o que não deixa de surpreender dada a longa filmografia do sujeito e sua idade. O cineasta ainda tem a mesma vivacidade e apuro técnico e narrativo que apresentou em trabalhos anteriores, e em A Invenção de Hugo Cabret merece ainda mais o nosso respeito, já que se trata de um terreno ainda inexplorado por ele. Atente para os dois belos planos sequência, um que apresenta o herói Hugo e a estação em que vive e o outro que encerra a produção. Scorsese peca, naquilo que talvez nem seja realmente sua culpa, ao reservar um bom tempo ao relacionamento do capataz e a florista ou mesmo aquele já citado nesse texto, com direito a cachorros temperamentais e tudo. Mas são pecadilhos perto de tudo que Hugo constrói.

Com atuação primorosa de Ben Kingsley – que inexplicavelmente ficou de fora da temporada de prêmios -, A Invenção de Hugo Cabret é uma tocante homenagem ao Cinema e aqueles que o fizeram e o fazem até hoje. Mostra que ainda que o tempo seja indelével, nada pode apagar o que o Cinema escreveu.

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