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Em DVD - Abutres

Em DVD - "Abutres"



Dizer que o cinema argentino vem crescendo ou está surpreendendo é redundância. Basta citar "O Segredo dos Seus Olhos", de Juan José Campanella, e este "Abutres", de Pablo Trapero, para comprovar tão afirmação. Sem querer renegar a nação ou cuspir na bandeira, mas sejamos francos: olhando os filmes brasileiros lançados recentemente, é necessário no mínimo uns três ou quatro dos nossos filmes para se chegar à perfeição de "O Segredo dos Seus Olhos". Os cineastas brasileiros (tirem Fernando Meirelles e Walter Salles dessa equação), por exemplo, devem aprender com Campanella e Trapero como conduzir uma câmera, ou então como criar planos sequência tão maravilhosos como os vistos nos dois filmes supracitados. Não me entendam mal. O Cinema brasileiro é rico em vários aspectos. Possui atores e atrizes maravilhosos e diretores excelentes, mas não há como não se envergonhar ao ver que nós lançamos "Bruna Surfistinha" enquanto eles lançam "Abutres". Nem os superestimados "Tropa de Elite 1 e 2" alcançam os resultados artísticos destas duas obras argentinas. Não estou supervalorizando os argentinos. Como todo brasileiro, não simpatizo com os "hermanos", mas não posso ser hipócrita e fechar os olhos para as coisas que estão claras.

De qualquer forma, este não é um texto para discutir qual é o melhor Cinema ou sobre os valores do nosso Cinema ou do deles. "Abutres" conta a história de Sosa (Ricardo Darín), um "abutre" que vive da tragédia das pessoas. Funcionário de um escritório especializado em indenizações por acidentes, Sosa vive procurando acidentes de trânsito nas ruas. Quando acha um, vira advogado da vítima e a usa para conseguir o dinheiro das indenizações, por isso o apelido. Perseguindo ambulâncias e indo a hospitais em busca de clientes, Sosa conhece a paramédica Luján, e um romance cresce a partir daí.

Começo a comentar sobre os dois melhores elementos de "Abutres": a direção de Trapero e a atuação de Ricardo Darín. Trapero é daquele tipo de diretor que se faz notar. Não confunda com aquele que quer se aparecer e faz qualquer coisa com a câmera para que o espectador saiba que há um diretor "talentoso" por trás de tudo. Trapero é aquele que conduz tão bem sua ferramenta de trabalho que notamos mesmo sem querer. Cada movimento ou plano sequência (e há vários - e ótimos - durante todo o filme) saltam aos olhos. Nada exagerado. Tudo muito bem pensado e executado; tudo é introduzido na trama para servi-la, não para apagá-la. Mas a direção de Trapero não é apenas excelente no quesito técnico da profissão. O cineasta conduz o roteiro com precisão, e um de seus méritos é não dificultar a trama, tornando-a um emaranhado de informações enroladas. O roteiro, aliás, merece créditos pela originalidade e pela confiança que credita na inteligência do espectador.

Já Ricardo Darín prova mais uma vez seu talento encarnando um personagem multifacetado e misterioso. Humano, acima de tudo, seu personagem é um homem cansado que vê sua vida chegar num ponto crítico. Vivendo sempre no perigo e na busca por um cliente, Sosa é um homem cheio de falhas, mas que não esconde o coração em alguns momentos. Darín injeta toda a humanidade, o sofrimento e os possíveis segredos do personagem com sutileza e total entrega. Não há nenhuma cena do tipo "marcante na carreira", ou digna de Oscar, mas todo o filme é seu. A câmera o procura e o mantém em foco, seu talento faz o resto. Mas não podemos esquecer Martina Gusman, que dá vida a sua personagem com veracidade e, além de ser o par romântico do protagonista, é também seu catalisador de emoções. Na maioria das vezes em que Sosa demonstra afeto, carinho, amor ou arrependimento é com ou para ela. Cenas simples entre o casal mostram muito sobre a vida de ambos. Quando a paramédica acorda em casa, por exemplo, e encontra o abutre em sua casa e é tapada de beijos e abraços, podemos perceber o quão o abutre era - e é - solitário, e o medo de perdê-la e o impulso de vingá-la comprovam a tese.

"Abutres" não se torna em nenhuma momento cansativo, sensacionalista ou sentimentalista. É um filme inteligente e muito bem executado. O plano sequência final é angustiante e excepcional. Empalidecido se comparado a "O Segredo de Seus Olhos" (o que não é um demérito tendo em vista que o filme de Campanella é fenomenal), "Abutres" não é um romance barato, tampouco um drama conspiratório ou sentimental. A melhor forma de classificá-lo, creio, é como "imperdível".

Matheus Pereira

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