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Nine - Crítica

“Seja italiano” (be italian)! Essa é a fórmula da sedução segundo a prostituta Saghadina (Fergie) no mais vigoroso número musical de Nine, novo filme de Rob Marshall, diretor do premiado Chicago; infelizmente ignorando o conselho, Marshall realizou um filme bem pouco “italiano” que carece de leveza, perde-se em meio ao politicamente correto e acaba soando até moralista.
Isso seria menos grave, não fosse o fato do filme ser a adaptação musical do icônico e genial Fellini 8 e meio, do diretor italiano Federico Fellini. Marshall, no máximo realizou uma adaptação “chapa branca” de luxo, com algumas cenas e uns poucos diálogos que remetem ao filme original, mas que ignora completamente o espírito transgressor da obra que o originou.
Nine narra a crise pela qual passa Guido (Daniel Day Lewis) diretor que sofre um bloqueio criativo que o impede de realizar seu novo filme chamado “Itália”, ao mesmo tempo que recorda episódios de sua infância. A falta de comicidade e ironia do roteiro prejudicam principalmente o personagem de Day Lewis. Guido, originalmente um conquistador cara de pau, perseguido por lembranças que ajudam a humanizá-lo, acabou transformado num chato choraminguento; isso com certeza dificultou para que Day Lewis encontrasse o tom certo para o personagem; acrescente-se a isso uma evidente limitação para executar os números musicais, e temos aí a justificativa para a morna recepção que a crítica deu ao grande ator por sua atuação apenas mediana.
O roteiro comete também injustiças com o belíssimo time de atrizes principais. Nicolle Kidman está sub aproveitada e interpreta sonambulicamente uma das canções mais chatas do filme. Penelope Cruz, linda e charmosa como sempre, executa seu número musical com eficiência mas a transformação de sua personagem, originalmente uma mulher exuberante, chamativa e desencanada em uma trágica amante abandonada acabou roubando muito do brilho de sua interpretação. Kate Hudson faz o que pode como uma repórter da Vogue e tem apenas uma canção bacana, Cinema Italiano, onde demonstra que leva jeito para a coisa. Judy Dench canta e não encanta em um número musical que, francamente, poderia ter sido eliminado, evitando assim o constrangimento dos fãs dessa grande dama. Exatamente o mesmo pode ser dito a respeito da participação de Sophia Loren, como a mãe de Guido; a diva aparece com toda sua força de ícone do cinema italiano, prestigiando um filme que não faz esforço para merecer sua presença. Mais sorte tiveram Marion Cotillard, a melhor do elenco no papel da esposa de Guido, a quem coube as melhores cenas e dois números musicais, um dos quais forte e impactante e Fergie, que executa “Be Italian”, a melhor canção do filme, com garra e boa voz.
O maior pecado de Nine é, renegando sua origem, levar-se muito a sério; uma boa, saudável e divertida dose de auto indulgência, traço marcante do personagem original, acaba por fazer muita falta a esse Guido arrependido e banal, “made in Hollywood”. Essa moralidade imposta ao personagem impediu que se recriasse por exemplo, uma das mais brilhantes sequências do filme original, na qual Guido imagina todas as suas mulheres convivendo harmoniosamente em seu harém, sob o intimidamento eventual de seu chicote; um primor do politicamente incorreto e uma pérola de transgressão, a cena com certeza seria considerada muito pesada para os engravatados de Hollywood. Não assisti o espetáculo teatral que originou o filme, portanto desconheço se a versão para as telas herdou dele os seus defeitos; mas sei que o que se vê no cinema está distante da poesia irreverente de Fellini e do seu desejo de registrar sua visão do que é fazer cinema.
Guido é Fellini, tentando imprimir “italianiedade” ao personagem dotaram-no com o sotaque, mas não com a irreverente “alma” italiana. A lírica anarquia de Fellini 8 e meio, não deveria ter sido esquecida. Era uma inspiração mais do que necessária cuja falta refletiu-se no talentoso elenco. O resultado está na tela, com o sempre brilhante Day Lewis meio perdido no personagem que Marcello Mastroianni tirou de letra sob o comando de Fellini. Com um pouco de boa vontade e fidelidade ao espírito do filme original, Nine teria sido um grande espetáculo, provavelmente até com melhores e mais inspiradas canções. Fellini tinha maus bofes. Onde quer que esteja, deve estar praguejando e se perguntando qual o propósito da transformação de seu filme encantador nesse musical sem graça. Eu também.
Nota: 6/10

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