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Crítica - Deixa Ela Entrar


Esqueça. Esqueça todos os filmes sobre vampiros que você assistiu nos últimos anos. Esqueça todos os filmes de terror que você assistiu nos últimos meses. Esqueça os filmes americanos. Esqueça Hollywood. Concentre-se nesta obra prima do cinema mundial e tente perceber ao menos algumas das várias metáforas espalhadas por este inteligente filme.

Quem diria que a maior pérola do vampirismo da sétima arte seria um filme sueco. Não é que eu seja preconceituoso, é ser realista, afinal, qual o último filme de terror sueco que você assistiu, ou melhor, qual último filme sueco de qualquer gênero que você assistiu? A premissa do filme é simples e parece (apenas parece)ser clichê: um menino retrógrado e extremamente solitário chamado Oskar, 12 anos, vive apanhando dos colegas da escola. Certo dia chegam no apartamento ao lado do dele um homem e uma menina. Junto a eles, estranhos assassinatos chegam na cidade. Oskar acaba virando amigo da também envergonhada e solitária menina chamada Eli, também tem 12 anos, porém, a grande diferença é que Oskar tem 12 anos há alguns meses, semana e dias (o menino conta cada dia de seu ano, desde seu aniversário)já Eli tem 12 anos há uns dois séculos. Por quê? É simples: ela é uma vampira. Aos poucos, os dois se encontram (sempre a noite) e se divertem, do jeito deles, mas se divertem. Aos poucos, também, Oskar nutri uma estranha paixão por Eli. De um jeito muito estranho e com a maior calma do mundo Oskar demonstra isso, e mesmo sabendo um tempo depois, que sua amada é na verdade uma vampira, o garoto segue apaixonado por ela. E é aí que o filme é mais do que os outros exemplares do gênero: Thomas Alfredson leva tudo com uma leveza e com uma sensibilidade impressionantes. Sua sensibilidade é tão grande que sua câmera nunca treme, está sempre estática, tanto nas cenas de horror, assassinatos quanto nas mais lentas. Tudo é mostrado diretamente, sem medo, nada fica escondido. Enquanto cineastas como Michel Bay filmam suas cenas com constantes e confusos cortes, Alfredson mantém tudo na maior calma. Merece ser dito também, que a direção de Alfredson é perfeita e uma das melhores do ano. Sua direção técnica (quadros, planos, ângulos) é perfeita. Planos sequência (o plano sequência na piscina é perfeito é já entrou pra história) e enquadramentos perfeitos chamam atenção e levam "Deixa ela Entrar" a outro patamar: ao patamar da perfeição narrativa e da perfeição técnica. Alfredson não se preocupa em esmiuçar tudo para o espectador, muito pelo contrário, Alfredson deixa várias pontas soltas, que no final, mereciam ficar soltas, pois nos possibilitam inúmeras discussões e interpretações. Uma delas é a sexualidade de Eli. A já polêmica cena de nudez da menina deixa uma dúvida cruel no ar, pois uma cicatriz perto do órgão sexual da menina dá-nos a possibilidade de Eli na verdade ser um menino castrado. Não, não se preocupe, não contei nada de mais, afinal, desde o início da projeção Eli diz que não é uma menina, o que já nos deixa na dúvida, porém, acho que quando ele diz que não é menina ela se refere a não ser humana, e sim vampira, ela não é nem menino nem menina, ela não é um ser humano normal. Outra possibilidade é que vampiros não possuem diferenças entre os sexos, ou seja, todos são iguais. Tudo são interpretações, e no livro (escrito pelo roteirista do filme) esta parte da história é explicada de maneira mais profunda, mas que não funcionaria nas telas de cinema. [O trecho a seguir pode revelar uma parte interessante do filme, não é comprometedora, ou seja, não irá estragar a apreciação do filme, mas leia por sua conta e risco]: Outra grande metáfora (use outro nome, se achar conveniente) é direcionada ao homem que acompanha Eli: o homem não é confirmado como pai de Eli, ele parece mais um servo da vampira, pois ele mata pessoas e tira-lhes o sangue para levar e alimentar a menina, e é aí que está o segredo: o homem possivelmente é um "tipo" de Oskar, ou seja, o homem provavelmente era um menino que conheceu Eli, teve um tipo de caso ou afeição com a menina, e a acompanhou durante anos. Eli, talvez, nem gostasse tanto de Oskar, talvez só estivesse afim de que ele fosse seu novo servo. Mas isto é apenas a pontinha do iceberg. Muitas metáforas (umas claras, outras escondias) estão em "Deixa Ela Entrar", e estas, juntamente com o filme, permanecem impreguinadas em sua mente horas e hora após o término do filme. Você não consegue esquecer, todo momento você lembra do filme e tenta entender suas inúmeras metáforas.

É óbvio que Eli completa Oskar e vice versa. Eli é tudo que Oskar quer ser: corajoso, forte, poderoso, inteligente. Oskar é tudo que Eli quer ser: simplesmente uma criança normal, embora Oskar praticamente não seja. Juntos, eles formam a dupla perfeita. Um ensina o outro, e unidos driblam a solidão e amadurecem. Este também é um tema recorrente: o amadurecimento. E lógico que o tempo virá indelevelmente para Oskar, trazendo-lhe a velhice e a morte. Já para Eli, o tempo não passa. Ela vê todos nascerem, crescerem, morrerem e ela ficar ali, alimentando-se de sangue. Oskar amadurece ao lado de Eli, aprende a se defender e descobre a melhor coisa do mundo: o amor. E de certa forma, Eli também amadurece, de um jeito diferente, mas amadurece, mesmo tendo mais de dois séculos de vida. O amor é outro assunto importante. Enquanto porcarias como Crepúsculo mostram vampiros imbecis, assexuados e vegetarianos balbuciando bobagens num romance açucarado e mal feito, "Deixa..." mostra o amor através de uma ótica diferente e interessante. Aqui, o medo se faz presente, a dúvida, o receio, a inocência, os vampiros bebem sangue, mordem pescoços, e queimam a luz do sol, pegam fogo, ao contrário de Crepúsculo, em que os vampiros viram diamante quanto expostos a luz do sol. Tudo é seco e sensível ao mesmo tempo. A violência e sensibilidade andam juntos, em plena harmonia. E é assim que os atores Kare Hedebrant (Oskar) e Lira Leanderson (perfeita, Eli) mostram seu potencial. Perfeitos em seus papéis, os dois andam em uma corda bamba entre o amor e o perigo, entre a figura solitária e boazinha e a figura ameaçadora e vingativa prestes a explodir que aflora gradativamente.

John Ajvide Lindqvist é autor do livro e roteirista do filme. É claro que ficou mais fácil para ele, criador, decidir o que ficava e o que saía do roteiro final. O resultado é um roteiro profundo, cheio de nuances e praticamente isento de erros. A fotografia, que opta pelas paisagens geladas para passar o tom de solidão do filme, merece aplausos. Até mesmo os efeitos especiais merecem destaque (o ataque dos gatos e a morte de um vampiro que queima à luz do sol são impressionantes). O filme é extremamente detalhista, e vale lembrar que o filme se passa, mais ou menos, na década de setenta, e isso é claro devido a pequenos detalhes espalhados pelo filme.

Enfim, Deixa Ela Entrar pega, dobra (ou rasga em pedacinhos) e coloca no bolso (ou pisa) qualquer filme sobre vampiros desde Entrevista Com o Vampiro, e é um dos melhores exemplares do terror da década, apesar de não se ater apenas ao horror, podendo se encaixar como um drama ou romance, dependendo do ponto de vista. É um dos melhores filmes do ano, e dificilmente sua refilmagem (já programada e dirigida por Matt Reves, de Cloverfield) será melhor. Enquanto alguns destroem a cultura dos vampiros, transformando-os em idiotas afeminados sem qualquer vestígio de cultura vampiresca, Alfredson e sua equipe cultivam a verdadeira origem dos sangue-sugas (só entram na residência se forem convidados, que dá nome ao filme, não resistem à luz do sol, animais tem aversão a espécie, entre outras características já conhecidas) dando a estas uma nova versão sem fugir das raízes. É interessante constatar que o melhor exemplar é um simples e completo filme sueco, e não um descerebrado filme norte-americano.

Nota: 10 / 10

Matheus Pereira

1 comentários:

caramba to dodinho pra ver esse filme!
muito boa a critica !

4 de novembro de 2009 às 20:27  

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